Minha mãe costumava contar essa história. Era sobre um rapaz que andava por uma região bastante pobre e estava morrendo de sede.
Não aguentando mais tanta sede, resolveu parar e pedir um copo d’água numa casa à beira da estrada.
Apareceu, então, uma senhora bastante velha, e ele a pediu um copo d’água.
Então quando a senhora chegou com o copo. Ele viu que era um copo muito velho e a senhora também era tão velha que ele ficou com nojo de beber a água.
“Talvez ela nem lavasse o copo no qual bebia a água com aquela boca murcha”, pensou.
Mas como não estava mais aguentando de sede e já tinha pedido o copo d’água, o moço não estava em condições de negar. Então, enquanto tomava coragem para beber no copo, viu que ele tinha um pequeno quebradinho na borda.
Que sorte, ele pensou: “Aposto que ela não bebe neste lado quebrado!”.
O rapaz então bebeu a água num só gole.
Quando terminou, a velhinha com a sua boca murcha disse: “Nossa! Igualzinho eu. Também adoro beber a água com a boca nesse quebradinho!”.
Bom. Acho que a moral dessa história era que não era bom ser muito “nojento” (hoje em dia, acho que se diria ser “cheio de nojinho”). Devia se ser educado e aceitar o que os avós e mais velhos oferecem. Sem ficar pensando se eles lavaram direito, se lavaram as mãos, se são enrugados etc.
Atualmente, em tempos de vírus mortais, e até antes com HPV, herpes e até uma tal de doença do beijo, já não deve ser tão recomendável falar para as crianças não serem assim tão “cheias de nojinho”. Penso, porém, que a história pode ter uma outra interpretação.
O quebradinho no copo parece aquela última coisa que vemos quando somos obrigados a abandonar o nosso orgulho. Quando as circunstâncias são duras o bastante para mostrar a inutilidade de todo nosso orgulho. Quando enfim tomamos a decisão de jogá-lo fora e matarmos a nossa sede de vida. Quando tomamos coragem para nos expormos sem medo, num último instante, vemos o quebradinho do copo. Vemos uma última chance de preservarmos um pouquinho do nosso orgulho, da nossa vontade de ter o controle de tudo e de sermos importantes e perfeitos.
Nessas horas, é que deve aparecer a velha do copo que com sua boca murcha dirá: “Igualzinho eu! Fiz desse jeito a vida toda!”. Então, da próxima vez, teremos menos receio em matarmos a sede com os copos que a vida nos oferece, sem suposições sobre os outros e os quebradinhos.